A TELEVISÃO
- Ana Rosenrot
- 24 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de jun.

Após um dia estressante no trabalho, Camila chega a sua casa, prepara uma grande quantidade de pipoca e se senta confortavelmente para aproveitar seu passatempo predileto: assistir a filmes na televisão.
Ela come a pipoca ruidosamente, sem tirar os olhos da tela para não perder nem um segundo do filme, quando, de repente, sua TV para de funcionar.
Camila se levanta, frustrada, esbravejando:
— Porcaria de televisão velha! — fala, enquanto vai batendo no aparelho cada vez mais forte, até desistir, aceitando que ele pifou de vez.
Desanimada, ela sai para olhar as lojas, admirando os aparelhos de TV nas vitrines: lindos, sofisticados, de alta definição — mas sabe que não pode nem pensar em comprar nenhum deles, pois está com pouquíssimo dinheiro. Após andar por algum tempo, passa em frente a uma loja de assistência técnica e resolve entrar, procurando um aparelho de TV simples e barato, só para quebrar o galho até conseguir comprar um novo.
A loja era pequena e sortida, com muitos televisores à venda, de todos os tamanhos, marcas e preços. Camila só não gostou muito do vendedor: um homem estranho, antipático, que fazia questão de ignorá-la completamente. Mesmo assim, ela se aproxima, abre um sorriso e pergunta:
— Boa tarde! Eu queria comprar uma televisão. Qual o senhor me indica?
O vendedor, sem responder nem tirar os olhos do jornal que está lendo, indica com uma batidinha um aparelho de TV cinza, pequeno, exposto sobre o balcão com um anúncio indicando o preço: R$ 200,00.
Animada, Camila decide comprar o aparelho baratinho, mesmo gastando tudo o que tem na carteira. Entrega o dinheiro em notas miúdas ao vendedor — que as recolhe, impassível —, segura o aparelho leve nos braços, agradece e sai da loja, enquanto o vendedor a observa com um sorriso sinistro.
Camila volta para casa com a televisão "nova", conecta os cabos e a coloca para funcionar sem perda de tempo. Minutos depois, a TV já está instalada e ela assiste a um filme, quando, do nada, o aparelho começa a chiar e a imagem é substituída por chuviscos.
Indignada, Camila se levanta gritando:
— Não acredito! Acabei de comprar e já está dando problema. Mas que merda! Pensei que essa porcaria tivesse sido pelo menos revisada antes de ser vendida! — e bate várias vezes no aparelho, que volta a funcionar, mas parece ter mudado de canal. Ela olha fixamente para a tela, percebendo que a imagem transmitida é a do corredor de sua casa. Vê, estarrecida, a figura fantasmagórica e horrível de uma moça vestida de branco atravessar lentamente o corredor e entrar no banheiro. Neste momento, ela ouve a porta do banheiro se fechar. Assustada, vai até lá, procura, não acha nada e volta para o quarto.
A televisão está chiando. Depois, começa a emitir um sussurro sibilante, incompreensível. Camila se aproxima para tentar ouvir, quando surge na tela a imagem da moça do corredor, com o rosto desfigurado e meio escondido pelos cabelos negros e pegajosos. Camila dá um grito — e acorda: havia tido um pesadelo.
Ela respira fundo, fecha os olhos para relaxar e dorme um sono agitado até de manhã, quando sai para o trabalho.
Mais tarde, ao voltar para casa, Camila — já esquecida do pesadelo da noite anterior — liga a TV, onde está sendo exibido um antigo filme de suspense, e se deita confortavelmente. De repente, a imagem se estica e escurece, o áudio fica incompreensível, balbuciado, e ela ouve, do outro lado do quarto, a porta do guarda-roupa começar a se mexer, batendo como se algo — ou alguém — estivesse desesperado para sair. Mesmo tremendo de pavor, Camila toma coragem, vai até o guarda-roupa, segura firmemente os puxadores e abre a porta, esperando pelo pior — mas encontra somente roupas. Afasta os cabides, procura por algo que explique as batidas, porém ali não há nada além das suas coisas.
Ela respira profundamente, tenta se acalmar, fecha a porta do guarda-roupa devagar, sente que está sendo vigiada e, ao virar-se, vê-se frente a frente com a figura demoníaca da televisão — tão próxima e real que Camila até pode sentir o cheiro nauseante da ferida pútrida que cobre quase todo o rosto da moça. Paralisada de pavor, ela dá um grito desesperado, ensurdecedor… e acorda, gritando e encharcada de suor, ouvindo os irritantes chiados da televisão, que ela encara, apreensiva, sem ter certeza se a visão que teve foi verdadeira ou apenas um sonho ruim.
Apavorada, arranca os cabos do aparelho, joga uma toalha em cima dele para não enxergar mais a tela e fica acordada a noite toda, com medo de dormir e ter outro pesadelo.
Nos dias seguintes, Camila faz de tudo para não dormir: fica até mais tarde no trabalho, toma café, energéticos, sai para caminhar… Mas, quando o cansaço toma conta, basta ela dormir por um segundo para que a garota fantasmagórica da televisão volte a aterrorizá-la. E ela acorda, sempre, ouvindo os malditos chiados do aparelho, que ganha vida — mesmo desligado.
Tomada pela confusão e pelo cansaço extremo, Camila decide levar o aparelho de volta à loja.
Ao chegar, coloca a televisão sobre o balcão, onde o mesmo vendedor esquisito de antes está debruçado, consertando um rádio, e diz:
— Eu vim devolver essa porcaria de TV e quero meu dinheiro de volta! Ela não presta, está amaldiçoada.
O vendedor olha para Camila e nega com a cabeça.
— Como assim? O senhor não vai devolver o meu dinheiro?
Ele balança a cabeça negativamente de novo, voltando a atenção para o aparelho que está consertando. Humilhada e esgotada, Camila pensa um pouco e diz, com raiva:
— Tudo bem… Quer saber? Pode ficar com o aparelho — e com a garota morta que vive nele.
Sai da loja tensa, quase correndo.
O vendedor a observa sair e já coloca o mesmo anúncio anterior na televisão, esperando vender novamente o aparelho.
Pouco tempo depois, um rapaz entra na loja, também querendo comprar uma TV. O vendedor indica o mesmo televisor, dando uma batidinha no topo.
O desavisado rapaz resolve comprá-la.
— Tenha bons sonhos... — sussurra o vendedor.
Conto adaptado do curta-metragem A Televisão, de Vinicius J. Santos.
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