A ÚLTIMA OBRA
- ViniTrash
- 3 de jul.
- 2 min de leitura

"Toda obra verdadeira exige sacrifício. Alguns sacrificam tempo. Outros, sanidade. Eu... ofereci sangue." — Heitor Vasques, Diário de Ateliê, 1894.
Dizem que artistas buscam a alma das coisas. Mas Heitor Vasques queria mais que capturar a alma. Ele queria aprisioná-la.
Na penumbra do século XIX, em uma cidade esquecida pelo tempo, Heitor caiu no esquecimento. Seus quadros não vendiam mais. A crítica o chamava de ultrapassado. O público o ignorava. E foi no silêncio desse desprezo que ele enlouqueceu.
Começaram os desaparecimentos. Pessoas comuns — modelos, vizinhos, andarilhos — nunca mais eram vistas. E, então, surgiram as pinturas.
Obras sem assinatura, enviadas anonimamente a galerias subterrâneas. Nelas, rostos distorcidos, olhos que gritavam, bocas presas em expressões de agonia. Pinturas que pareciam vivas. Mas o que mais chamava atenção era a cor: um vermelho denso, profundo, impossível de reproduzir.
“A dor como expressão. A vida como tinta.” — dizia o bilhete que acompanhava cada tela.
Os boatos surgiram. Alguém disse que Heitor Vasques usava sangue humano em sua pintura. Outro jurava ter visto um ateliê escondido, onde o chão era sujo e o ar fedia a carne podre.
Foi quando as autoridades arrombaram o ateliê de Heitor.
Lá, encontraram um mundo de horror.
Potes com líquidos escuros. Pincéis endurecidos. Cadernos com esboços demoníacos. E no centro, o cavalete.
Heitor estava lá.
Paralisado diante de sua última obra.
O corpo caído, os dedos rígidos segurando um pincel, os olhos esbugalhados de terror. Morreu de infarto, dizem alguns. Outros acreditam que a própria pintura o matou.
O quadro estava inacabado.
Uma silhueta humana pintada com linhas vibrantes, mas sem rosto. Onde deveria haver feições, havia apenas um borrão vivo — como se a tela se recusasse a aceitar um rosto.
Dizem que esse quadro, o único sem nome, foi trancado. Escondido. Queimado. Mas a arte verdadeira... não morre.
Tempos atuais.
Em uma tarde qualquer, uma jovem chamada Clara entrou num antiquário úmido e escuro, atrás de uma obra. Entre pilhas de molduras empoeiradas, ela encontrou um quadro sem identificação. Envolto em um pano, quase esquecido.
Retirou o pano que o encobria, sentiu algo — como um sussurro morno, quase um suspiro vindo da tela.
A imagem era perturbadora: um rosto, era apenas um borrão pulsante. Uma tela que ainda esperava uma alma.
Clara sorriu. Disse algo como “mais uma obra perturbadora pra coleção.”
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